top of page

A Título de Paixão

Ray Lima

“O Teatro livre da rua
Não tem porta nem poltrona
Nem aparatos nem salto alto.
Liberto dos catedráticos
De ato em ato vai superando
A cortina, o pano de boca, a bambolina
A rotunda, o bastidor, bordereau
Sugados pela boca funda do ator
Pela grandeza igual de ficar
Frente – a – frente,
Ombro – a – ombro,
Lado – a - lado
Do outro trabalhador que vê.
 
O teatro livre da rua
Vai além do ciclorama, da gambiarra
Divulga-se por si só, na base da garra
Sem mídia nem microfone, no cortejo
Na roda, no sopro do ator trombone
Sem programa no gogó.
Livre do jogo artificial da luz
Tem ritmo e alegria de carnaval
Menos o cheiro de talco;
Seu palco é o corpo do povo suado
Exalando o odor da luta
No desejo de saber sonhar agindo
Como o artista anônimo
Que lhe arranca o riso, sua escuta.
 
O teatro livre da rua
É simples como cocada
Feito nas praças, nas calçadas
Vendido ali mesmo a preços populares
Embalado pelos cantares do boi
Traduzido pelo sotaque universal do circo
Que em círculo emburaca pelo `mundo
Sem fundo nem pataca
Endossando crítica as elites vigentes
Adoçando o espírito da gentes com GESTUS.
Atras de um gesto seu no dia-a-dia
Que vá além do confortante ave Maria.
 
O Teatro livre da rua
Mas que virtual, é virulento
Mobiliza e ativa o pensamento
Daquele que nunca leu.
O teatro livre atua sobre o preconceito
Dá direito ao carrancudo ser simpático
Ao apático interferir na vida sua
Nada de chafé pra poucos
Entremezes, mordomia, badalação;
O espectador na roda move-se
Em pé de paixão
Arranhando o imaginário, clareando a visão.
 
 

O Teatro Livre da Rua é DEMOCRÁTICO,
Popular, engraçado e ferino
Arregaça as mangas, cumpre seu papel
Revelando a arte dos filhos do povo-
Da parte descontente e mofina-
No seio da praça, sem frisas nem camarotes
Onde Saltimbancos dão pinotes de Arlequim
Que ultrapassam o urdimento o comodim
E nos transportam ao fim do firmamento
De leveza e altura maior que os olhos
Dos homens da aldeia que os espreita
Igual ao espírito do chão da roda gigante
Donde vieram, donde são.
 
Nossos textos, nossos personagens
Nascem do contexto da mensagem
Da feira, da beira mar, das favelas
Do aceiro da civilização, da garganta do camelô
Do vendedor de banha de Tejo
Das histórias do Brejo e do Sertão
Dos Trancoso de seu Lunga, Malazarte
Cancão, João Grilo, Vovó e Vovô;
Do homem banguelo de pêlo sem poda
Das frases de efeito,
Que rolam na roda
No ato do espetáculo
Que anunciam a beleza da vida com arte
E denunciam seus dramas seus contrastes.
 
O Teatro Livre da rua
Escambia, troca, vende, sem guia
Participa, atiça, briga, alivia
Ama, bebe na fonte dos farsantes
Todos os dias - Dionisios, Pierrot, Columbina
Nos ensinam as destrezas do tempo
Em que a rua sempre foi o firmamento da arte.
O Teatro do povo, espaço da criação
Que aponta e perfura como pua
Patenteia como o chão da rua é bela
Como o homem roda é velho
Como o homem é homem
Como o homo é novo Como o povo é sábio
Como o mundo alto é baixo
Como a vida é ato.
 
Pelo perigo que corremos 
Pelo perigo que trazemos 
Pela alegria que vivemos 
Pelo abrigo do novo e do antigo
Pela ascensão do declive
Da camada em desnível
O Teatro Livre da Rua prossegue
Com paixão sem compaixão
Como a arte do bicudo
Que fura sem trégua
O caroço do algodão.

bottom of page